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.: Um menino Um soldado :.

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|||Nos idos de 1914, na município paulista de Faxina, atual Itapeva, nascia João Garcia Porto, filho do casal Francisco Garcia Porto e D. Maria Lopes, entre quatro irmãos e três irmãs, que no seu conjunto, faziam a alegria do casal cujo pai, Francisco Garcia Porto, espanhol erradicado no Brasil, era ferroviário de profissão.

|||A infância despreocupada e sadia do menino João, pontilhada por histórias da vida profissional do pai certamente fizeram crescer em seu coração a futura aspiração de tornar-se também ferroviário. De fato, o gosto pela profissão estava no sangue. Seu irmão mais velho, Pedro, também o era. E isso, como veremos mais adiante, efetivamente se concretizou.

|||Veio a adolescência para o jovem João e o desejo de ingressar na carreira honrosamente seguida pelo pai atingiu o seu zênite, mas não a sua realização. Estávamos no ano de 1932, João contava então com dezoito anos e em tempo de prestação de serviço militar. Não obstante, passava o nosso país, e mais particularmente o estado de São Paulo, por difícil e periclitante momento de sua história.

|||Era a Revolução Constitucionalista que havia irrompido a 9 de julho daquele ano. São Paulo se levantara contra o governo provisório de Getúlio Vargas em busca de uma nova Constituição para o Brasil.

|||Em Itapetininga, um dia depois do memorável 9 de julho, o boletim regimental de nº 160 do 8º Batalhão de Caçadores Paulistas (8º BCP), a 10 de julho de 1932, tornava público matéria do boletim de nº 153, de 7 de julho de 1932, a seguinte menção sob o título:

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ALISTAMENTO DE EMERGÊNCIA:

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Por terem sido inspecionados de saúde pelo médico do batalhão e julgados aptos para o serviço militar e apresentados os documentos exigidos, sejam alistados nesta unidade, a contar do 1º do corrente, os civis abaixo, a saber:

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(...)|||
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253 JOÃO GARCIA PORTO, filho de Francisco Garcia Porto, e de Maria Lópes, natural de Faxina neste Estado, nascido em 1914, com 1,61 de altura, cor branca, cabelos e olhos castanhos escuros, nariz afilado, boca regular, rosto comprido, barba e bigode raspados, sabendo ler e escrever, sem ofício, solteiro, vacinado contra o typho e varíola.

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(...)|
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|||Da leitura desse valiosíssimo documento, cuja cópia nos foi emprestada pelo Sr. Amaury Garcia Porto, filho de João Garcia Porto, para nos auxiliar na elaboração do presente texto, depreendemos que a 1º de julho de 1932, oito dias antes da declaração da Revolução Constitucionalista, tal era o estado de coisas na cidade de Itapetininga e região que braços fortes para o que estava por vir eram por demais necessários.

|||Com efeito, incorporado na então Força Pública do Estado de São Paulo nessa mesma data, assentando praça no 8º BCP com destino a cerrar fileiras com efetivos que ali se organizavam para operações de guerra que muito em breve ocorreriam em Itararé, Faxina, Buri e Capão Bonito, o soldado recruta João e seus companheiros voluntários muito certamente não tinham dimensão ainda do que a incorporação deles significaria para o restante de suas vidas e para a história de nosso Brasil.

|||Seja como tenha sido, o casal João Olympio de Oliveira Júnior e Teresa de Jesus Cardoso Oliveira nos alerta na página 93 de sua obra "Memórias de Itapetininga" (2008) que a 12 de julho de 1932, o major do 8 º BCP, João Augusto Pereira Júnior, dava início à formação de batalhões voluntários em Itapetininga, organizados que foram nas instalações do atual prédio da 2º Divisão Regional do Departamento de Estradas e Rodagem, a DER.2., então sede do que viria a ser, durante a revolução, do Quartel General do Exército Revolucionário do Setor Sul.

|||A cidade toda se encontrava em pleno ritmo de preparação para envio das primeiras tropas às diversas frentes de combate que se configuravam contra os efetivos legalistas que naquela direção avançavam dos estados do sul do país.

|||O soldado João, recém-incorporado e ainda pouco afeito às particularidades do fuzil, da baioneta, do capacete, do revólver, do cantil e da faca, teve de, conjuntamente com os seus companheiros, rapidamente se amoldar à seriedade e a profundidade da situação e, ostentado o novo uniforme cáqui que apenas alguns dias recebera, tomar das armas por São Paulo.

|||E não fora só João que alistara-se para formar batalhão.

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O irmão Pedro Garcia Porto, maquinista na Revolução

Fonte. Acervo da Família Porto

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|||Seu irmão mais velho, Pedro Garcia Porto, à época em pleno exercício da profissão de ferroviário, fora convocado pelo comando do Exército Constitucionalista do Setor Sul para integrar o quadro de maquinistas que operariam as diversas locomotivas de carga, tropas, abastecimento e também de combate, tendo pertenciado à guarnição do Trem Blindado, arma da genialidade bélica paulista que no Setor Sul ficou a comando do então 1º tenente Afonso Negrão, mais tarde capitão por atos de bravura praticados nessa máquina e também no Carro Blindado.

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Trem Blindado de nº 1 (TB-1)

Fonte. Trem Blindado (2019)

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|||De fato, é tradição oral na família Porto que Pedro tenha sido um dos maquinistas do Trem Blindado. Ainda que seu nome não se encontre na relação dos nomes integrantes da guarnição do trem constante no livro "Trem Blindado" (1933) de Fernando Penteado Médici, não é de todo infundado essa informação, porquanto o trem teve, ao longo de seus três meses de operações, várias guarnições, assim como modelos (o último trem blindado foi o de nº 6).

|||Seja como for, os dois irmão seguiram para a guerra. Ambos viram combate e o batismo de fogo, provavelmente, deve ter ocorrido à mesma época. O de Pedro a história não registrou, mas o de João sim e é este que daremos conta agora.

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.: O batismo de fogo e o ferimento em combate  :.

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|||Não foi possível determinar ao certo o que se sucedeu com o soldado João a partir do dia 12 de julho de 1932, mas sabemos da página 91 de "Memórias de Itapetininga" que dali a três dias apenas, a 15, cerca de oitenta voluntários de Itapetininga seguiram para as frentes de combate.

|||Não obstante, o então capitão Dilermando Cândido de Assis, das forças legalistas, relata na página 108 de seu livro "Vitória ou Derrota" (1936) que o primeiro combate enfrentado pelos nossos paulistas daquele setor ocorrera em Itararé, nas jornadas de 17 a 18 de julho, sendo dele partícipes o 8º Batalhão de Caçadores Paulista (8º BCP) e o 1º Regimento de Cavalaria Paulista.

|||Sendo o jovem soldado João integrante do 8º BCP, chances são de que ele tivera o seu batismo de fogo justamente na defesa de Itararé durante aquelas duras e violentas jornadas, da qual o também soldado Durvalino de Toledo, seu companheiro de batalhão, fora partícipe e enfrentara ali os horrores da guerra que há pouco se iniciara.

|||Com a tomada de Itararé para os legalistas, recuaram as forças que defendiam aquela praça de guerra para Ibiti e depois Buri.

|||A partir desse ponto não nos foi possível precisar que outros entreveros tenha participado o soldado João, mas provável seja que ele tenha visto ação nessas localidades e seguido, cada vez mais arrojado e corajoso, em todos os embates que sua unidade participara até que, a 9 de setembro de 1932, o boletim de guerra de nº 10 do 8º BCP, em operações no Rio das Almas, região de Capão Bonito, acusa que ele for encaminhado ao Hospital Militar por ferimento de bala recebido no pé esquerdo. Transcrevemos a seguir o trecho do referido boletim que relata esse fato:

Foto. soldado João ferido no pé esquerdo
Fonte. Acervo da família Porto
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V - MOVIMENTO DE HOSPITAL

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BAIXARAM ao Hospital de emergência, no dia 7 do corrente as seguintes praças desta unidade:

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(...)|||
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No dia 9 do corrente.

Soldados João Garcia Porto, (ferimento por bala no pé esquerdo),
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(...)|
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|||Impossibilitado de continuar na luta pela gravidade do ferimento recebido, João é encaminhado ao Hospital Militar e a partir dessa ocorrência não mais nos foi possível conhecer do que com ele se passou, mas inferimos que o jovem combatente não deve ter retornado ao front, porquanto a menos de um mês da data em que ele baixou, a 2 de outubro, a revolução chegava ao fim, e com ela, toda uma odisséia de lutas e sacrifícios vivenciada por milhares de jovens paulistas que como João, doaram o melhor de seu sangue, juventude, idealismo, vigor e patriotismo.

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Tropas constitucionalistas em trincheira do Setor Sul

Fonte: Acervo da família Porto

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.: De volta para casa :.

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|||Com o armistício e a dissolução do Exército Revolucionário, restou a João, seu irmão Pedro e demais companheiros sobreviventes o retorno aos afazeres da vida que outrora detinham.

|||Pedro deu prosseguimento a sua, vindo a se casar e constituir família. Profissionalmente continuou ele no exercício da profissão de ferroviário, vindo a atingir a plenitude da carreira de maquinista da Estrada de Ferro Sorocabana, companhia estadual da qual foi empregado por toda a vida, até se aposentar.

|||Já João, no vigor de seus dezenove anos e já de todo restabelecido do ferimento adquirido em combate, via a sua frente também tudo um futuro a se descortinar e à exemplo do pai e do irmão Pedro, desejou se tornar ferroviário.

|||E assim o fez.

|||Em 1936, aos 22 anos, João é admitido na Companhia de Estrada de Ferro Sorocabana, no cargo de foguista de terceira classe, lotado na mesma Itararé que há quatro anos antes conhecera como combatente e tivera o seu batismo de fogo.

|||No ano seguinte, em 1937, casa-se com D. Honoina Arruda e com ela veio a ter os quatro filhos que foram a sua maior alegria no restante da vida: Amaury, João, Marisa e Laísa Antonia.

|||De sua carreira na Sorocabana, a dedicação inconteste que sempre caracterizou o desempenho de suas função levou João a ser transferido para diversas localidades, entre elas Assis, Santo Anastácio e finalmente Itapetininga, onde Porto eventualmente se tornaria o nome de uma das famílias mais tradicionais do município.

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Foto. Logotipo da Companhia de Estrada de Ferro Sorocabana (EFS)

Fonte: Wikipedia

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|||Com as transferências vieram também as promoções que contempladas foram devido à vivaz inteligência e o denodado profissionalismo que possuía: de foguista de terceira classe, ascendeu à segunda e finalmente à foguista de primeira classe. Estava João lotado em Itapetininga, aguardando a homologação de sua promoção para o almejado cargo de maquinista quando a 29 de novembro de 1943 fora vítima de triste acidente no qual perdeu a vida.

|||Tal desfecho absolutamente inesperado de uma vida tão promissora foi sentido por todos da Companhia Sorocabana que cobriu-se de luto com a perda de uma de seus mais dedicados funcionários. Essa "fatalidade do destino", como afirmou o professor Dirceu Campos em artigo sobre João publicado na Folha de Itapetininga, em 28 de Novembro de 2008, bem caracterizou a irreparável perda que a família Porto teve, do pai e marido, falecido no vigor dos 29 anos, com tantos anos ainda a frente, entre sonhos, conquistas, uma primorosa esposa e felizes filhos para com ela criar e deixar luminosa descendência.

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.: E os anos se vão :.

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|||Passados anos desse triste acontecimento, a vida continuou para a família Porto e os filhos de João souberam honrar o todo o carinho, amor e dedicação que o pai por eles teve enquanto viveu. Amaury, o primogênito, seguiu os passos do pai, tornando-se a terceira geração de ferroviários na família. Admitido na Companhia Sorocabana em 1958, nela ele se aposentou em 1984, depois de uma carreira de igual brilhantismo da de seu pai. O segundo filho, João (in memoriam) tornou-se radiologista. A terceira filha, Marisa, funcionária do INSS e Laísa Antonia, também radiologista, hoje, ambas aposentadas.

|||Além desses quatro filhos, teve João luminosa descendência de quinze netos e um sem número de bisnetos que espalhados estão tanto no estado de São Paulo quanto fora deste. O humilde menino de Itapeva e seu sonho, sem sombra de dúvida, jamais serão esquecidos.

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.: Agradecimentos :.

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|||Foi em fins de agosto de 2011 que viemos a conhecer a bela história do Ex-Combatente João Garcia Porto por intermédio de depoimentos prestados pelo seu filho Amaury, que acompanhado de sua esposa D. Rosa, gentilmente nos recebeu em sua casa e, do contato que ali estabelecemos, possível foi concretizar o presente texto que aqui se encontra publicado.

|||Não obstante, cabe agradecer não só ao casal Amaury e D. Rosa pela oportunidade que nos concederam de resgatar a história de vida do Ex-Combatente João, mas também ao genro deles, o tenente-coronel da reserva da Polícia Militar do Estado de São Paulo, o Sr. João Renato Borges de Moura.

|||O tenente-coronel PM João Renato Borges de Moura foi, até 2008, comandante do brioso 8º Batalhão de Polícia Militar do Interior (8º BPM/I) em Campinas, SP, e durante o seu comando, solicitou que pesquisa junto aos arquivos históricos do batalhão fosse realizada no intuito de encontrar informações sobre o Ex-Combatente João Garcia Porto, pai de seu sogro, o Sr. Amaury.

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Ex-Combatente João Garcia Porto

Fonte: Acervo da família Porto

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|||Foi graças a esta pesquisa consubstanciada em cópias de boletins regimentais e de guerra da época que conseguimos reconstruir a presente passagem do Ex-Combatente João Garcia Porto pela Revolução Constitucionalista de 1932. Ao Sr. tenente-coronel PM João Renato Borges de Moura, pois, os nossos sinceros agradecimentos pela iniciativa que três anos depois veio a colher os presentes frutos.

|||Por fim, não podemos esquecer de agradecer a pessoa do Sr. José Eduardo Gomes Franco, vereador em Itapetininga e amigo de longa data da família Porto.

|||Com efeito, foi a indicação feita pelo vereador Dudu Franco ao senhor Amaury que nos possibilitou conhecer fatos tão empolgantes sobre a história de vida de mais um Ex-Combatente da Revolução de 1932 que soube contribuir com o melhor de suas energias ao pugnar pela Constituição, pela Liberdade e pela Democracia.

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